Temos ouvido e falado muito sobre as organizações que estão transitando para a “Nova Economia”. Tratamos dos seus desafios e alternativas estratégicas e táticas para sobreviver nesse período de transição e para se adaptar àquilo que está por vir.
As propostas sempre falam em organizações focadas nas pessoas, com muita flexibilidade para adaptar-se às rápidas mudanças de mercado, baseadas em propósito e atentas para as questões de sustentabilidade socioeconômicas e ambientais.
Nesse contexto, proponho algumas questões acerca de um modelo organizacional para esse futuro. Até podem parecer propostas ficcionais, mas a discussão é necessária para o desenvolvimento de novas ideias:
Governança Corporativa Social
Como as organizações estarão focadas em pessoas e a transparência tende a ser um valor ético básico, o processo de governança deve tomar um contexto mais amplo, permitindo a participação de representantes das várias partes interessadas (stakeholders) da organização.
Assim, a governança das organizações deve contar com a participação de representantes dos executivos da organização, sócios (ou investidores) - quando estes não forem os executivos - colaboradores, consumidores e da sociedade.
Essa é uma proposta de transparência extrema, que implica abrir totalmente a organização, dando poder para que outras partes além dos sócios possam atuar no processo de governança, conhecendo e interferindo diretamente na estratégia.
Cocriação de produtos
Na nova economia, o desenvolvimento de produtos deve atender às exigências de personalização e escala que permitam oferecer produtos exclusivos e produzidos a custos bastante competitivos, além de atender as características genéricas exigidas pelo seu público alvo.
A cocriação de produtos é um experimento contemporâneo, mas no futuro seria o padrão de desenvolvimento de todas as organizações envolvendo não só o público, mas também fornecedores, parceiros comerciais e mesmo órgãos de regulação e entidades sociais. O setor de atendimento aos consumidores deixará de ser uma base para reclamações e integrará o setor de P&D das organizações, como fornecedores de insumos para novas soluções de mercado.
Operação descentralizada e cooperativa
O processo produtivo do século 21 será muito mais descentralizado do que o atual. As relações de trabalho não serão mais relações de emprego, como as de hoje. As pessoas trabalharão de forma cooperada e poderão responder por atividades produtivas específicas, sendo remuneradas por sua produtividade.
Organizações em rede deverão dominar o mercado de serviços e as cooperativas tendem a ser as formas mais comuns para as pequenas indústrias, que consumirão tecnologias desenvolvidas em centros de pesquisa abertos. As organizações não estarão focadas em apenas gerar lucro! A obtenção de resultados com a produção terá o viés de alcançar um propósito social mais do que apenas ganhar dinheiro.
Equipes autogeridas
Outra característica das novas estruturas organizacionais é uma mudança radical do conceito de liderança e controle do trabalho. A hierarquia estrutural será substituída pelo conceito de times ou equipes autogeridas, que se incumbem da execução de projetos e podem alterar sua composição e funcionamento a cada nova execução.
Um conceito importante para a vida profissional será a reputação. Os times de trabalho promoverão processos de avaliação sócio profissional que levarão em conta um contexto mais amplo no que tange a vida do trabalho. Os valores das organizações deverão se alinhar com os valores da sociedade e das pessoas (nesta ordem), e não haverá lugar para individualismos.
Vendas em plataformas
A tendência é que o comércio eletrônico seja a forma hegemônica de efetivação de compra de bens e serviços. A maioria das lojas físicas devem ser convertidas em ambientes de experimentação (showroom) ou centros de distribuição para retirada de produtos comprados eletronicamente.
As vendas por plataformas devem evoluir para transações machine-to-machine (M2M) e o comércio será o primeiro setor econômico totalmente digitalizado! As compras mais rotineiras serão parte de um processo de suprimento automático das famílias, que podem ser ajustados remotamente, apenas incluindo ou retirando itens de uma lista. O comércio transacional de bens e serviços, como conhecemos hoje, não subsistirá.
Pagamento pelo uso
No século 21 as pessoas devem se desapegar da propriedade de bens de consumo e optarem pelo compartilhamento de recursos. Não precisaremos ter casas, carros, televisores, móveis, eletrodomésticos e um tanto de outros bens que nos acostumamos a comprar. Tudo deve ser transformado em serviço e as pessoas pagarão pelo uso.
Propaganda digital e social
A comunicação massiva e intensa, como aquelas das cenas icônicas de Blade Runner (com grandes telões digitais) não farão sentido. Anúncios comerciais não existirão! A propaganda será muito mais social, baseada nas recomendações das pessoas do seu relacionamento que já experimentaram o produto e podem falar a respeito.
A comunicação baseada em conteúdo acreditado deve ser a forma como as organizações ganharão a atenção do público para suas ofertas. A propaganda será onipresente, interativa, transparente, integrada e omnichannel. Cada pessoa será um agente de propaganda ativo!
Marketing de comunidade
O mercado (ambiente de troca) será totalmente transformado. Os conceitos de marketing necessitarão de novos paradigmas. As empresas precisarão compartilhar a gestão de marketing com a comunidade.
Os especialistas de marketing não poderão mais ditar as regras do mercado. Aquela máxima de que o consumidor não sabe o quer comprar não prevalecerá. O consumidor só pagará pelo que realmente tiver necessidade de usar. Não existem mais barreiras geográficas ou linguísticas, nesse cenário o nível de esclarecimento e exigência das pessoas quanto ao consumo é cada vez maior.
Produção e consumo com base em compromissos de sustentabilidade socioambiental
Na medida que as comunidades ganharem força e puderem interferir no processo produtivo das empresas, será comum a formulação de acordos que garantam que a produção, comercialização, consumo e descarte dos produtos ofereçam garantias de sustentabilidade socioambiental.
Os consumidores estarão obrigados a oferecer garantias ou contrapartidas, visando um consumo mais consciente e sem desperdício e o compromisso com o descarte correto dos resíduos gerados individualmente ou pela comunidade. Na outra ponta, as empresas adotarão processos menos poluentes, uso de materiais reutilizáveis (reciclar será uma última opção), economia de energia e uso de energias renováveis e a inclusão de logística reversa para os resíduos.
A teoria da abundância
No ano de 2100 a ONU estima que a população mundial será de 11 bilhões de pessoas (+48%). Para o Brasil a estimativa é que teremos 200 milhões de habitantes (o IBGE projeta 180 milhões, redução de 13%). Sim, a população brasileira está diminuindo! Cairemos da 5ª para a 13ª posição no ranking dos países mais populosos. Também seremos um país mais velho: 53,8% da população terá mais de 60 anos (15% mais de 80 anos) de idade.
Para sustentar esse povo todo nas condições propostas nessa realidade futura, precisaremos de muito mais de tudo: mais comida, mais casas, mais espaço, mais roupas, etc. O conceito da “escassez” não será mais uma premissa aceitável! O paradigma fundamental para sustentar a economia do século 21 é a “abundância”.
A produção mundial de bens e serviços precisará aumentar drasticamente! Para que a teoria da abundância seja realidade na sociedade do século 21, é necessário que deixemos de ser o homo sapiens sapiens (o homem que sabe o que sabe) para sermos o homo conscious (o homem que sabe bem o que deve fazer).
Precisaremos desenvolver a espiritualidade em nossas organizações!
Explicar esse conceito de forma sucinta e concisa, sem gerar acaloradas discussões sem fim, é muito difícil, por isso sugiro a leitura do capítulo 4 do livro “Os És da Gestão”, de Dobson Ferreira Borges. Dele capturo os trechos seguintes:
“Quociente Espiritual refere-se ‘à inteligência com que abordamos e solucionamos problemas de sentido e valor, à inteligência com a qual podemos pôr nossos atos e nossa vida em um contexto amplo, mais rico, mais gerador de sentido, à inteligência com a qual podemos avaliar que um curso de ação ou caminho na vida faz mais sentido do que outro.’ O Quociente Espiritual é a fundação necessária para o funcionamento eficiente do Quociente de Inteligência (QI) e do Quociente Emocional (QE).”
BORGES, Dobson Ferreira, “Os És da Gestão”, capítulo 4, pág. 187
Se acreditamos que vivemos o período de transição para uma nova economia, que tem como características ser digital, colaborativa, inclusiva e regenerativa, podemos acreditar que existe lugar para esse “homem que sabe bem o que deve fazer”, que tem um espírito mais elevado, uma mente reconfigurada (um novo mindset) para um mundo mais comprometido com o “ser” humano.
As organizações precisam se moldar a essa nova economia sob pena de não sobreviverem às mudanças que estão cada dia mais presentes no nosso cotidiano.
O futuro é presente
A reação mais comum para essas ideias de futuro é ignorá-las, achando que são mera ficção ou que poderão acontecer em um tempo ainda muito, muito distante. Mas, esse futuro já está presente em nossas empresas, no mercado e na vida.
Subestimar essa realidade pode condenar muitas organizações à morte, como aconteceu com a Kodak, Blockbuster, Itautec, Atari, entre outras que, se não faliram, desapareceram do mercado porque foram adquiridas por seus concorrentes.
É preciso discutir e questionar, por isso creio que a nossa conversa não se encerra aqui. Cada um dos tópicos aqui apresentados merece atenção, reflexão e o debate exaustivos para que as empresas se sensibilizem e preparem-se para o novo modelo de gestão que está por vir e, é claro, que faremos isto nos próximos artigos.
Fiquem de olho!
Sobre o autor:
Jeferson Sena é sócio-diretor da Ninho Desenvolvimento Empresarial, especialista em projetos de organização e reestruturação de empresas, desenvolvimento, implementação e gestão de planejamento estratégico.
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